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EDEVAL BAPTISTA DE ARAÚJO

O SARGENTO QUE FAZIA SORRIR.

 

 

Para falarmos sobre o “Sargento Que Fazia Sorrir” é necessário retrocedermos os ponteiros do relógio do tempo. Na manhã ensolarada e de muito calor do dia 15 de janeiro de 1970, me apresentei ao Comando do então 5º Batalhão de Caçadores de Taubaté, atual 5º Batalhão de Polícia Militar do Interior, transferido que fui do 1º Batalhão Tobias de Aguiar. Como ordem recebida, determinaram que me reapresentasse no mesmo dia ao início do expediente vespertino. Como todos os dias daquela turbulenta época, éramos proibidos de andarmos fardados, em virtude de atos terroristas, e, consequentemente, das ordens recebidas. Entretanto, para se apresentar era necessário fardar-se.

 

5º BPM/I - A UNIDADE MÃE DO VALE DO PARAÍBA PAULISTA

 

Também naquele dia, por volta das 14h00, durante uma Operação Bloqueio montada nas proximidades da Estrada de Ferro Central do Brasil, defronte ao antigo portão de entrada do Campo do CTI, um Sargento da Polícia Rodoviária Estadual tombava mortalmente ferido, quando um veículo com elementos em atitudes suspeitas em seu interior, revidaram a tiros a ordem de parada para a devida fiscalização. Eram terroristas!

Ao me reapresentar, encontrei o Batalhão em polvorosa, com o efetivo disponível todo em forma no pátio para embarque a diversos pontos da cidade pré-estabelecidos. Após a apresentação militar à nova Unidade, permanecei ao aguardo de novas determinações. Enquanto assim procedia, fui conhecendo suas instalações, e, subindo ao piso superior deparei com a sala da 4ª Companhia, estando em seu interior os policiais Sargento Florival, Cabo Andrade e o Soldado Edeval. Apresentando-me, logo estávamos bem enturmados, como se nos conhecêssemos há tempos.

Após, foi-me determinado que me apresentasse ao P/1 (Sala das Ordens), responsável dentre outras funções, das escalas correspondentes aos mais diversos serviços, e, em meu caso, das escalas da Guarda do Quartel, lugar para onde iria cumprir a nova função e onde permaneceria por quase um ano. Tempos depois, seria designado para me apresentar na administração da 4ª Companhia. Destino implacável, novamente me colocara na mesma Companhia onde anteriormente houvera construído uma amizade oportuna com o Soldado Edeval.

Edeval tinha à época, 15 anos de serviços prestados à Força Pública. Soldado voluntarioso e muito prestativo, era o policial exemplar, cumpridor de seus deveres, enquadrado militarmente e a mão estendida àqueles que o procuravam. Em seu horário de serviço não admitia brincadeiras que atrapalhassem o bom andamento de seu turno. Na 4ª Companhia exercia as funções de estafeta e de eventual da Guarda do Quartel, além é claro, das escalas extras, como policiamento do Mercado Municipal aos sábados e domingos, das sessões dos cinemas Palas, Odeon, Metrópole, Urupês e Boa Vista. A palavra “folga” era proibida de ser pronunciada ou solicitada no Quartel. Tempos difíceis, mas, saudosos.

Edeval, nasceu na bucólica Taubaté, à Rua Humaitá nº 728, aos 7 de setembro de 1932, sendo filho de Paulo Baptista de Araújo e de Georgina Pereira de Araújo. Seus pais eram operários da Companhia Taubaté Industrial, a nossa saudosa e querida C.T.I. Em 1938 ficaria órfão de sua mãe, e iniciaria seus estudos em 1939, tendo como bancos escolares as Escolas Municipal do Registro, Dom Pereira de Barros e Jacques Félix. Desde criança fora um batalhador, e, aos 12 anos, já iniciara seus trabalhos, primeiro na Sorveteria Raphael, na Praça Dom Epaminondas, depois como auxiliar de pequenos serviços em uma tinturaria e mais tarde na Empresa de Ônibus Pássaro Marrom.

Entretanto, aos 23 anos, presta exames no 5º Batalhão para ingresso na Força Pública do Estado de São Paulo, e, aprovado, incorpora em 1955, para iniciar sua formação militar no próprio Quartel de Taubaté. Após conclusão da Escola de Soldados, é passado a pronto e transferido para a longínqua São José do Rio Preto. Após certo tempo naquela cidade, é transferido para São Paulo, e, mais tarde para Taubaté, onde seria destacado em São Luiz do Paraitinga.

 

AS ATIVIDADES EXTRAS.

 

O Soldado Edeval em seus raros momentos de folga, saindo de seu serviço às 18h00 ou então, de férias, empregava seu tempo entregando compras no Armazém de Hélio Bettoni. Também, como motorista de táxi em seu ponto ao lado da Farmácia do Custódio, no Areão. Muito sofrimento, inclusive sendo alvo de um roubo/assalto com seu táxi. Toda uma luta incessante para complementar o irrisório soldo de um policial militar e oferecer algo de melhor para sua família. Em 1981, receberia sua merecida aposentaria.

 

QUANDO OS DESTINOS SE CRUZAM.

 

Destacado em São Luiz do Paraitinga e bem relacionado com sua população, conheceria Therezinha Coelho, moça prendada e de família respeitosa. Ali seus olhares se cruzariam e entre eles nasceria um grande amor. Depois de três meses de namoro e outro tanto de noivado, se casariam na Matriz de São Luiz Tolosa, naquela cidade. Dessa união, nasceriam os filhos Silvânia e Edna em São Luiz do Paraitinga e Edval Marcos, em Tremembé.

 

UMA UNIÃO FELIZ.

 

 

A CHEGADA DOS FILHOS

 

Aos nascimentos, cabem explicações: Therezinha morando em Taubaté à época dos partos, não tinha a quem recorrer, sendo, portanto, levada à São Luiz para tais procedimentos com a ajuda de sua mãe e de uma parteira, muito conhecida. Ali nasceriam Silvânia e Edna. Com relação a Edval Marcos, um fato interessante. Tanto Therezinha quanto sua mãe se encontravam grávidas, tendo então Therezinha sido conduzida por seu marido ao Hospital Bom Jesus, em Tremembé, onde a Irmã Angelina deu início aos trabalhos de parto.

 

A ALEGRIA COM OS NETOS.

 

O grande “Banquete da Vida” seria servido ao casal Edeval e Therezinha. Dessa forma, Silvânia se casaria com Valdir e seria mãe de Fábio e Kátia; Edna se casaria com Claudemir e daria à luz a Gustavo, e, Edval Marcos, se casaria com Silvia e seria pai de Vinícius e Tiago.

 

A CHEGADA DOS BISNETOS

 

Edeval e Therezinha ainda vivenciariam com a consequente e tão sonhada chegada dos bisnetos. Assim, a neta Kátia, casada com o cardiologista Dr. Renato Leite, é mãe de Lucas e Clara; Fábio, casado com Márcia, é pai de Isabella e Antonella; Gustavo, casado com Graziela, é pai de Miguel; e, Vinícius, daria de presente aos avós, a linda Emanuelle.

 

UMA VIDA DE SACRIFÍCIOS, DE TRABALHO E DE MUITO AMOR.

 

 

UM SHOW GRATUITO E AS GARGALHADAS.

 

Sabemos todos, o quão difícil é suportar horas de tormento com as intermináveis filas, principalmente dentro ou fora de uma agência bancária. Torna-se cansativo, doloroso e muito sacrificante para nosso controle emocional. Além, de muitas vezes, o ar condicionado quebrado e para grande azar, o sistema fora de operação. Entretanto, todos esses problemas eram superados quando, repentinamente, surgia a figura maiúscula, extraordinária e alegre do agora Sargento aposentado Edeval.

Em dia de pagamento então, uma alegria geral quando ele despontava ao adentrar a agência do Banespinha da Rua Dr. Pedro Costa ou do Banespinha, dentro do 5º Batalhão. Lá vem o Edeval, diziam uns; chegou o contador de piadas, diziam outros; acabou a reclamação, exclamavam outros aposentados. Enfim, o “Salvador da Pátria” ou então “O Sargento que fazia sorrir”, chegava com todas as honras, pronto para levar a alegria e a atender os pedidos de piadas que os clientes, espremidos nos recintos bancários, lhe faziam. E Edeval, puxava então uma folha de papel, tipo sulfite, dobrado verticalmente e apresentava a todos a quantidade de piadas, todas com os títulos datilografadas, numeradas e que identificava cada uma. Era piada de passarinho, de louco, de português, do tal de fanhoso, de freira, de papagaio, de gago, de caipira, enfim, de uma infinidade de assuntos para a mais variada clientela.

Não havia uma só pessoa que não gargalhasse, que não se esquecesse dos momentos vividos anteriormente à sua chegada. E os pedidos eram feitos por números das piadas. Me conta a nº 17! Me conta a 280! Me conta a 735! E, assim por diante, até atingir 1.377 em seu total. E contava uma por uma, lembrando de todas, incrivelmente de todas. Tinha cliente que deixava os afazeres bancários pelo quais estava aguardando, por não mais suportar as gargalhadas. Sua maneira peculiar de conta-las era algo engraçado demais, devido ao seu jeitão de caipira e seu linguajar de matuto. Muito engraçado!

Certa vez, no auge das gargalhadas, adentra o Banespinha, o Cel. Irahyba de Paula Rosa, conhecido como “Comandante Amigo”, devido suas bondades com todos os policiais. O silêncio sepulcral prevaleceu, tendo o Coronel perguntado o motivo das gargalhadas e o silêncio repentino. Sabedor que Edeval se fazia presente, disse-lhe com sua voz peculiar e inconfundível: Conta a 47! Aí, ninguém mais segurou o ambiente alegre e festivo que tomava conta naquele dia de pagamento, outrora, infernal.

Alguns, gargalhavam incontroladamente; outros, choravam; outros, procuravam sentar-se e riam-se à vontade. O interessante é que passado o dia de pagamento, já esperavam pelo próximo mês, para novamente, acontecer o reencontro. Coisas de aposentados e de um tempo maravilhoso que não voltará jamais, sem as piadas do Sargento Edeval.

 

A ANCIANIDADE E O SOFRIMENTO.

 

 

UM HOMEM REALIZADO E FELIZ.

 

Aos 85 anos, alquebrado pela idade e cercado de todo o conforto material, espiritual e familiar, o Sargento Edeval convive com problemas de uma cardiopatia de natureza grave, aliado à problemas renais e da dificuldade notória em sua respiração. À visita que lhe fiz, pude perceber que mesmo com caminhar lento e com reflexos de percepção reduzidos, reporta a uma saudade eterna dos tempos da mocidade, do vigor físico invejável, da rapidez dos movimentos físicos militares, do amor dedicado à família que tanto se preocupava em vê-los bem, e, da mão sempre estendida a quem dele recorresse.

Já não se recorda de nenhuma de suas piadas, nem pelos números tão famosos que fizeram sorrir tantos amigos e conhecidos. Sua condição física já não obedece aos anseios do ontem, quando no atendimento de ocorrências, sempre de maneira resoluta. Entretanto, cercado de carinho por todos, recebe em vida, o que houvera plantado. Sua esposa, filhos, netos e bisnetos são suas alegrias, resultando num espetáculo admirável no dia a dia e num momento mágico de sua vida. 

E ei-lo, magnífico na ancianidade e no sofrimento, de um heroísmo calado, a mover-se de manhã à noite, da sala para o quarto, pela casa em que paira, a sombra de um passado glorioso. Sargento Edeval, mantém seu espírito altaneiro como o Comandante que permanece no convés após a catástrofe, firme, à frente de sua família, Mas, é preciso viver.

 

UM MOMENTO INESQUECÍVEL.

 

Meu grande amigo, Sargento Edeval, de há muito, o admiro e o invejo. Quem me dera a ventura de, nos momentos felizes com minha alma, interpretar para todos, com a mesma lucidez, com a mesma alegria, a maravilha de fazer meu semelhante um pouco mais feliz, como você fazia. Neste ano de 2018, que hoje se inicia, desejo-lhe como a querer alcançar os céus, e como o melhor presente que esse Deus Misericordioso poderia me proporcionar como Graça Divina, sua saúde restabelecida. Entretanto, ainda pediria a esse Deus, que todas as gargalhadas que propiciastes em vida aos seus amigos e conhecidos, fossem transformadas em diamantes para o erário dos céus.

Sejas feliz, Sargento Edeval. Deus o abençoe! O amigo continua por aqui, companheiro de caserna.

 

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PROF. GILBERTO DA COSTA FERREIRA - HISTORIADOR, ESCRITOR E PESQUISADOR. 

cfgilberto@yahoo.com.br

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Minha continência ao amigo Edeval. | 22/02/2018
Parabéns Gilberto, pela linda homenagem ao querido amigo Edeval, que com certeza se faz merecedor. Policial Militar de fino caráter e conduta ilibada que tenho a honra de tê-lo como amigo e também de seus familiares. Que Deus esteja sempre ao lado do Edeval e familiares.
Cel. PM. José Carlos de Campos

Sargento Edeval I 03/01/2018 | 10/01/2018
História linda de um guerreiro sempre alegre e pronto para ajudar. Que Deus te abençoe. Nós te amamos.
Graziela F. de A. Santos

Eterna gratidão I 03/01/2018 | 10/01/2018
Agradeço ao Prof. Gilberto, sobre a linda história que escreveu sobre a vida de meu pai e pela admiração que tem por ele. Deus o abençoe. Aceite nossa eterna gratidão, carinho e respeito, pelo seu lindo trabalho.
Silvânia Coelho

Amigos para sempre! I 03/01/2018 | 10/01/2018
Obrigada, Prof. Gilberto, pela linda homenagem ao nosso querido e amado, marido, pai, avô e Bisavô, conduzindo a todos a um passeio ao nosso passado, revisitando nossa história. Como todos nós sabemos, nem toda a riqueza vale um bom amigo. Quando a amizade é verdadeira, não se espera que procuremos, ela simplesmente se faz presente. A sua amizade por ele, se fez história com amor, alma e carinho. Tornou-se ainda mais especial, para ele e todos nós. Com suas palavras meu pai se torna imortal, quando o ressuscitou no tempo. O que dizer dessa amizade tão bonita? Eu só peço a Deus que abençoe ainda mais este seu dom. Que o nosso pai eterno retribua todo este carinho por esta amizade, com muita saúde, paz e felicidades para o senhor e toda sua famí­lia. Parabéns por fazer história! Beijos no seu lindo e especial coração!
Edna Coelho de Araújo Santos


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