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SOLDADO ENRICO FRANCISCO

 

INTRODUÇÃO.

 

Os primeiros acontecimentos ocorridos na transição do Período Monárquico para o Período Republicano, no que se refere ao desenvolvimento das ações levadas a efeito pela Força Policial do Estado de São Paulo, são, deveras, dignas de registros. Nelas, constataremos que a instabilidade política motivada pela instalação do novo regime, pelos movimentos sociais tão ausentes no período que antecedera, pelas seguidas convulsões sociais como a Revolta da Armada e Revolução Federalista, pela própria crise econômica que assolara o país, dentre outros, foram fatores preponderantes para a participação da polícia paulista nos mais diversos enfrentamentos.

 

A REVOLTA DA ARMADA

 

1894 - 4º BATALHÃO DE ARTILHARIA DA GUARDA NACIONAL.

 

Tomando-nos por exemplo a Revolta da Armada, diante do cenário de guerra que se instalou país em meados de 1893, a participação da Força Pública do Estado de São Paulo foi de extrema relevância para os destinos da nação, guarnecendo as cidades ou vilas litorâneas como Santos, São Sebastião, Cananéia, Caraguatatuba e Ubatuba, contra as constantes ameaças de ocupação por parte dos insurretos sob a liderança do Almirante Custódio de Mello.

 

DO DISPOSITIVO PRESENTE EM CARAGUATATUBA.

 

Por outro lado, o presidente da Província de São Paulo, Dr. Bernardino de Campos determinou que se concentrasse em Santos, o maior porto de estado, e em Caraguatatuba, ainda uma Vila muito vulnerável, o maior número de tropas, visto que o litoral de São Sebastião já havia sido tomado pelos rebeldes. A Vila de Caraguatatuba encontrava-se incluída no rol dos pontos previamente determinados para a defesa do território litorâneo paulista, guarnecida que estava, sob o Comando do Contingente das Forças em Operação naquela localidade. E, dentre essas Forças, encontrava-se a 4ª Companhia de Policiamento, pertencente ao 4º Batalhão de Caçadores, de São Paulo, Batalhão esse de memoráveis jornadas.

 

O FUZILAMENTO DE UM SOLDADO DA FORÇA POLICIAL.

17OUT1893  -  17OUT2016.

 

À época dos episódios, Caraguatatuba contava com um efetivo de 800 homens (1) e duas bocas de fogo (2). Às forças regulares da Força Policial foram agregadas outras reforçando-as, como o Exército, a reconvocação da Guarda Nacional, e, por fim, dos chamados “Batalhões Patrióticos” (03). formados por parte da população civil determinadas a auxiliar o governo.E, justamente numa dessas vilas litorâneas paulistas, em Caraguatatuba, é que ocorreria um fato histórico e de tristes lembranças, desenvolvido no seio da Corporação e que deixaria consignado para sempre, como caso único em sua historiografia militar. O trágico acontecimento ocorrera no dia 17 de outubro de 1893, uma terça feira, por volta das 16.00 horas, quando o dispositivo militar se achava em linha para o exercício que estava prestes a ter início.

Assim, transcorreria o episódio, segundo palavras do Alferes (04) Heitor Guichard: “...pelas quatro horas da tarde e por ocasião que formava  o  contingente  para  o  exercício [...] e achando-se ele em linha, ao mandar perfilar pela direita e ao dirigir-me a quarta companhia, mandando-a que se alinhasse, o soldado dessa companhia número 150, Enrico Francisco, com insubordinação disse-me: “a bosta é que lhe engana seu alferes”; imediatamente voltei-me para ele e perguntei-lhe o que tinha dito, respondeu-me ainda com insubordinação: é isso mesmo, a bosta é que engana a V. Sa., e incontinenti apontou-me a carabina com que se achava armada e disparou, passando a bala pela minha face direita, próxima à boca; ato contínuo mandei agarrá-lo, desarmá-lo e recolher ao xadrez...”

 

UM CRIME OCORRIDO FORA DO QUARTEL E SUAS CONSEQUÊNCIAS.

O JULGAMENTO POR UM MANDADO.

 

O interesse em julgá-lo de maneira rápida para manter a “disciplina e a ordem” da tropa, resultou em uma combinação de fatores. De um lado, a maneira pela qual, com a presença de treze policiais entre Oficiais (apoiando de maneira unânime tal medida) e as Praças (com uma estranha concordância imposta?), subscreveram o mandado.

E, em se tratando de Mandado de Fuzilamento, invariavelmente não são imparciais, tendo em vista que sua resolução é voltada para um caso específico, ou seja, quando há algum interesse na direção das decisões e do resultado, notabilizando-se o “corporativismo de ofício”. De outro, a maneira sumária da execução, onde, despertando no seio da tropa a necessidade imperiosa da lei e da ordem, apresentava diante de todos, um criminoso que seria executado sem uma única chance de defesa.

Era somente um réu diante da morte. Ora, no mesmo dia 17, o Soldado Enrico Francisco fora submetido ao Termo de Fuzilamento, formado às pressas e sem delongas, para julgar um delito que houvera cometido, uma insubordinação seguida de tentativa de homicídio. 

 

CÓPIA FIEL DO TERMO DE FUZILAMENTO.

 

Aos 17 dias do mez de outubro de 1893, o cidadão tenente-coronel José Carlos da Silva Telles, comandante das forças em operações nesta villa de Caraguatatuba, tendo mandado reunir os officiais que fazem parte das forças sob seu Commando, expoz-lhes o facto de ter sido o cidadão alferes Heitor Guichard, atirado pelo soldado Enrico Francisco, nº 150, da 4ª Companhia do 4º Batalhão da Força Pública deste Estado de São Paulo, por ocasião da formatura para o exercício geral da guarnição, e que inquerido do ocorrido, todos os depoimentos confirmaram a criminosa tentativa àquelle soldado, que fora preso em flagrante.

 

UM HOMICÍDIO LEGAL EM FUZILAMENTO OFFICIAL.

 

Dessas condições entendeu que um sucesso de tal gravidade não podia passar sem uma reprimenda severa para que se accentuasse a ordem e a disciplina que devem existir no seio das corporações armadas. Assim, indicava que a praça criminosa fosse passada pelas armas, para o que consultava a opinião de cada um dos oficiais sobre esse alvitre, que julgava indispensável. Tendo sido essa proposta approvada unanimemente pelos officiais, foi o soldado conduzido para a frente de toda a força, que nessa ocasião estava formada e depois de ter o cidadão tenente-coronel dirigido uma allocução às praças, expondo o facto criminoso e exortando os seus sentimentos de disciplina, foi destacada uma seção de cinco praças, comandadas por um inferior e dada a ordem de fuzilamento, que foi incontinenti executada.

 

MATRIZ DE SANTO ANTONIO, PARA ONDE SEU CORPO FORA LEVADO.

 

Verificado o óbito, foi o corpo transportado para a igreja desta Villa, onde ficou depositado, sendo inhumado hoje, 18, no Cemitério Municipal. E para constar, mandou o cidadão tenente-coronel commandante lavrar o presente termo, que vai por elle assignado e todos os officiais.

 

Caraguatatuba, dezoito de outubro de 1893.

 

José Carlos da Silva Telles, tenente-coronel;

Vicente Lucidoro de Oliveira, Major Fiscal;

Antonio Baptista da Luz, capitão;

Américo de Campos Sobrinho, capitão;

Eugênio Olegário Pereira, capitão;

Daniel Accioli de Azevedo Silva, tenente;

Heitor Telles, alferes;

José Pinto de Oliveira, alferes;

Heitor Guichard, alferes;

Faustino Gregório Maurel, alferes;

José Luciano de Carvalho, alferes;

Edmundo Wrigth, alferes;

Theóphilo Ottoni de Aguiar, alferes;

Alexandre Gama, tenente secretário interino.

Confere: Barros Azevedo (Tenente secretário interino).

A notícia da execução perpetrada, somente tornou-se pública em 20 de outubro de 1893, quando o Comando do Contingente das Forças em Operação na Vila de Caraguatatuba comunicou a morte por fuzilamento do Soldado nº 150, pertencente à 4ª Companhia do 4º Batalhão da Força Policial do Estado de São Paulo.

 

A COMUNICAÇÃO DO FATO.

(CÓPIA FIEL)

 

Telegramma numero oitenta e oito. Caraguatatuba a Santos, dezessete, dez, noventa e quatro – Serviço Publico – Coronel Jardim – Communico-vos que ainda ha momentos, por ocasião da formatura das praças para o exercicio, o alferes Guichard, quando preparava o pessoal, foi atirado por uma praça que premeditadamente havia carregado a carabina para esse fim. Aquelle official foi simplesmente arranhado no rosto pela bala. Communicando-me elle o facto que foi testemunhado por grande numero de praças e inferiores, mandei immediatamente reunir officiais, sendo por elles unanimes em opinião de que deveria ser passado pelas armas o soldado criminoso o que incontinenti na frente de toda a força formada, mandei executar.  (assignado) Silva Telles, Tenente-Coronel – Confere – Alexandre Gama, Tenente Secretario Interino – Confere - Barros Azevedo – Conforme – F.M. das Chagas.

Telegramma numero trezentos e quinze da estação de Santos, apresentado ás onze horas da manhã do dia dezessete. Recebido da estação de Santos ás seis horas e vinte minutos do dia dezoito de outubro.

 

MANIFESTAÇÕES DA IMPRENSA ESCRITA.

JORNAL GAZETA DA TARDE. QUARTA-FEIRA, 22/05/1895.

 

Reeditamos hoje o termo de fuzilamento praticado a 17 de outubro de 1893, em Caraguatatuba, e do qual foi victima o Soldado Enrico Francisco, da 4ª Companhia do 4º Batalhão da Força Pública de São Paulo. Uma circunstância bastante importante deixou de ser notada, com certeza, pelos leitores daquelle termo. Entre os legalistas que votaram e presenciaram o fuzilamento immediato, sem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, figura o Capitão Américo de Campos Sobrinho, filho do Dr. Bernardino de Campos, presidente e general do Estado de São Paulo.

Capitão Américo de Campos Sobrinho, é bacharel em Direito pela Faculdade de São Paulo. Foi, portanto, approvado em Direito Constitucional e provavelmente leu a Constituição da República. Sua presença no fuzilamento, sem recurso, transformou em homicídio legal em fuzilamento official.

 

JORNAL CIDADE DO RIO. QUINTA-FEIRA, 23/05/1895.

FUZILAMENTO OFFICIAL.

 

Pedimos venia aos nossos illustrados collegas da Gazeta da Tarde para transcripção, em nossas collunas, do artigo que hontem publicaram sob o título – Fuzilamento Official. A transcripção, porém, perdôe-nos a Gazeta da Tarde o reparo, não significa de nossa parte a aceitação da veracidade do facto que o artigo assevera. Queremos apenas, argumentando-lhe a publicidade, facilitar a negativa do interessado. Não é possível, absolutamente não é possível, que o Dr. Américo de Campos Sobrinho, filho do Presidente do Estado de São Paulo, tomasse parte em um fuzilamento decidido com rapidez, executado com rapidez, sem recurso, sem consulta explicável ás autoridades superiores. Com certeza o termo de fuzilamento é falso.

O Presidente do Estado de São Paulo, Dr. Bernardino de Campos, mineiro e consequentemente homem que deve ter o coração propenso á bondade, não permitiria que seu filho assumisse a responsabilidade do caso que o governo documentou, publicou e ainda não puniu. S. Ex. que sabe por experiência própria, quanto é doloroso, quanto é triste lembrar em família affeições cortadas pelo crime, parentes eliminados pelo algoz, provavelmente aconselhou ao Dr. Américo de Campos Sobrinho que impugnasse sempre o predomínio da força sobre o direito, do golpe sobre a victima. Não é possível. O Termo de Fuzilamento é falso. O Soldado Enrico Francisco deve estar vivo.

 

CONSIDERAÇÕES.

 

Nesta oportunidade, reverenciamos a passagem do 123º aniversário da morte por fuzilamento , do Soldado Enrico Francisco .  Observa-se que entre os oficiais legalistas, que se manifestaram a favor do fuzilamento e presenciaram tal medida capital, pontificava a figura importante do capitão Américo de Campos Sobrinho, filho do Presidente da Província do Estado de São Paulo e General, Dr. Bernardino de Campos.

Bacharel em Direito pela Faculdade de São Paulo, portanto, licenciado em Direito Constitucional, ignorou a Constituição da República e brindou o assassinato do soldado, com um fuzilamento oficial, não merecendo o aludido militar nem mesmo um recurso para escalões superiores. Para os algozes, naquele precioso momento, deixava-se de lado todos os meios de recursos. O importante era a consumação do ato para “manter a ordem e a disciplina”. A vida não estava em jogo. Alea jacta est.

 

VOCABULÁRIO

 

  1. O Governo paulista autorizou o preenchimento das lacunas deixadas pelas polícias regulares em apoio às cidades litorâneas, ao emprego de guardas cívicas municipais, as quais eram compostas por voluntários ad hoc.
  2. Armamentos bélicos (canhões).
  3. “Batalhões Patrióticos” formados por parte da população civil determinadas a auxiliar o governo.
  4. Designação antiga referente a Oficial Subalterno, na patente de 2º Tenente.

 

FONTES PESQUISADAS.

 

  1. PUBLICAÇÃO NO DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, DE 09 DE MAIO DE 1895, PÁGINA 7, SEÇÃO 1;
  2. JORNAL GAZETA DA TARDE, QUARTA-FEIRA, 22 DE MAIO DE 1895;
  3. JORNAL CIDADE DO RIO, QUINTA-FEIRA, 23 DE MAIO DE 1895;
  4. PRELÚDIO DE UM “PEQUENO EXÉRCITO”? A FORÇA POLICIAL PAULISTA NOS PRIMEIROS ANOS DA REPÚBLICA (1890 A 1895) ROSEMBERG, ANDRÉ. SETEMBRO-DEZEMBRO DE 2012;

 

                                                                                         

Nota: O autor, Gilberto da Costa Ferreira é 1º Tenente da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Possui Licenciatura Plena em História pela Universidade de Taubaté. É Historiador, Pesquisador e Escritor.

 

PROF. GILBERTO DA COSTA FERREIRA - HISTORIADOR, PESQUISADOR E ESCRITOR. 

cfgilberto@yahoo.com.br

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